Aplicar Maria da Penha para proteger homem 'não é adequado', diz ministra
Homens já foram beneficiados pelas medidas protetivas previstas na lei.
Para Iriny Lopes, Judiciário é entrave para que a lei tenha maior eficácia.
Há dois meses no cargo de ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, a deputada federal licenciada Iriny Lopes (PT-ES) defende que a Lei Maria da Penha, criada para proteger as mulheres em situação de violência, não seja aplicada para beneficiar também homens agredidos por suas companheiras.
"A lei é clara. (...) É para ser aplicada para proteger mulheres agredidas. Os homens são amparados pela legislação comum, o próprio Código Penal dá proteção a esses homens. Não é adequada a utilização para homens", afirmou Iriny em entrevista ao G1, na qual contou os planos do governo Dilma Rousseff para as mulheres. Nesta terça (8), o país comemora seu primeiro Dia Internacional da Mulher sob o comando de uma presidente mulher.
Desde a criação da Lei Maria da Penha, há 5 anos, diversos juízes já aplicaram medidas protetivas para homens. Há poucos dias, a Justiça do Rio Grande do Sul concedeu benefício para um homossexual. A proteção dos homens, no entanto, não é consensual no Judiciário. A Lei Maria da Penha, da qual Iriny Lopes foi relatora na Câmara dos Deputados, ainda é alvo de outras discussões, como, por exemplo, se o texto é constitucional por diferenciar homens de mulheres, se o processo deve terminar caso a mulher desista da queixa ou se a lei deve ser aplicada em relações casuais.
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Para tentar reduzir parte das controvérsias, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu durante sua gestão que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare a constitucionalidade da Lei Maria da Penha. O caso está com o ministro Marco Aurélio Mello, mas não há previsão para julgamento da ação.
Na opinião da ministra Iriny Lopes, o grande entrave para melhor aplicação da Lei Maria da Penha é a demora para o julgamento dos processos. "A mulher que apanha hoje é a morta de amanhã. Quando há demora no julgamento dos casos, o agressor está livre para continuar as agressões, e as agressões costumam chegar ao ponto do homicídio. (...) Muitas mulheres morrem porque os processos contra seus agressores estão parados."
Confira abaixo os principais trechos da entrevista com a ministra Iriny Lopes.
G1 – Quais são os planos do governo Dilma para as mulheres em 2011?
Iriny Lopes – A presidenta vai cumprir alguns compromissos de campanha nessa questão da mulher. Teremos a inauguração de algumas creches, das 6 mil que ela se comprometeu a construir. Estamos procurando ampliar e qualificar o programa de atendimento à prevenção do câncer de mama e colo de útero. Nós já estamos trabalhando no sentido de ampliar a formação de professores que vão trabalhar a diferença de gênero e diversidade. Tem também a qualificação profissional da mulher para profissões até então consideradas masculinas, como a construção civil. Para que essas mulheres possam disputar espaço nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016.
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Iriny Lopes – A presidenta vai cumprir alguns compromissos de campanha nessa questão da mulher. Teremos a inauguração de algumas creches, das 6 mil que ela se comprometeu a construir. Estamos procurando ampliar e qualificar o programa de atendimento à prevenção do câncer de mama e colo de útero. Nós já estamos trabalhando no sentido de ampliar a formação de professores que vão trabalhar a diferença de gênero e diversidade. Tem também a qualificação profissional da mulher para profissões até então consideradas masculinas, como a construção civil. Para que essas mulheres possam disputar espaço nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016.
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G1- Mas o governo deve tomar alguma atitude para que as mulheres efetivamente atuem nessas obras públicas?
Iriny Lopes – Isso tudo está sendo conversado porque o governo não pode fazer imposição às empresas que ganham licitações. Por parte do governo, vamos cuidar da qualificação das mulheres.
Iriny Lopes – Isso tudo está sendo conversado porque o governo não pode fazer imposição às empresas que ganham licitações. Por parte do governo, vamos cuidar da qualificação das mulheres.
G1 – E como o governo vai contribuir para a inclusão da mulher nas propostas da reforma política, que começou a ser discutida no Congresso?
Iriny Lopes – É um compromisso do governo em contribuir nessa discussão sobre a presença da mulher na política. As comissões na Câmara e no Senado estão constituídas, e a Secretaria de Políticas para Mulheres vai atuar ativamente. De modo geral, defendemos que haja condições de igualdade para mulheres nas listas (o PT é favorável ao voto em lista fechada, no qual o eleitor vota na legenda e o partido indica uma lista de parlamentares), condição de igualdade no financiamento da campanha, tempo de TV garantido às mulheres e o financiamento na formação política nos partidos para que questões de gênero sejam contempladas nos programas de governo e partidários.
Iriny Lopes – É um compromisso do governo em contribuir nessa discussão sobre a presença da mulher na política. As comissões na Câmara e no Senado estão constituídas, e a Secretaria de Políticas para Mulheres vai atuar ativamente. De modo geral, defendemos que haja condições de igualdade para mulheres nas listas (o PT é favorável ao voto em lista fechada, no qual o eleitor vota na legenda e o partido indica uma lista de parlamentares), condição de igualdade no financiamento da campanha, tempo de TV garantido às mulheres e o financiamento na formação política nos partidos para que questões de gênero sejam contempladas nos programas de governo e partidários.
G1 – Os casos recentes de violência contra a mulher, como o da vendedora Vanessa na Grande São Paulo, dão a impressão de que está aumentando o número de casos. Há algum indicativo de que isso seja verdade?
Iriny Lopes – O Mapa da Violência (estudo divulgado pelo Ministério da Justiça no fim de fevereiro), embora considere os dados até 2008, ele mostra uma tendência de ampliação dos homicídios de mulheres. Aumenta o número de homicídios de jovens, população negra e tem um indicativo do aumento de homicídios de mulheres. Não temos dados para afirmar com segurança que essa violência é motivada pela condição de gênero. Inclusive discutimos o assunto com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e estamos construindo um grupo de trabalho para viabilizar um banco de dados. Inclusive uma das determinações da lei Maria da Penha é que haja um banco de dados no país que faça demonstrações confiáveis sobre violência doméstica e intolerância de gênero.
G1 - Há muitas críticas, inclusive dentro do Judiciário, contra a Lei Maria da Penha. De que ela não tem funcionado adequadamente para punição dos casos de violência.
Iriny Lopes – A Lei Maria da Penha precisa ser protegida. É um instrumento fundamental e indispensável para o enfrentamento da violência praticada contra a mulher. A ONU elegeu a lei como uma das três melhores legislações de enfrentamento à violência no mundo. Em pesquisa recente, a lei contou com aprovação de 83% da população. O que temos é um debate dentro do Judiciário que precisa ser superado: a definição da constitucionalidade da lei, para que as instâncias inferiores não fiquem debatendo isso e os julgamentos se tornem mais céleres. A mulher que apanha hoje é a morta de amanhã. Quando há demora no julgamento, o agressor está livre para continuar as agressões, e as agressões costumam chegar ao ponto do homicídio.
Iriny Lopes – O Mapa da Violência (estudo divulgado pelo Ministério da Justiça no fim de fevereiro), embora considere os dados até 2008, ele mostra uma tendência de ampliação dos homicídios de mulheres. Aumenta o número de homicídios de jovens, população negra e tem um indicativo do aumento de homicídios de mulheres. Não temos dados para afirmar com segurança que essa violência é motivada pela condição de gênero. Inclusive discutimos o assunto com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e estamos construindo um grupo de trabalho para viabilizar um banco de dados. Inclusive uma das determinações da lei Maria da Penha é que haja um banco de dados no país que faça demonstrações confiáveis sobre violência doméstica e intolerância de gênero.
G1 - Há muitas críticas, inclusive dentro do Judiciário, contra a Lei Maria da Penha. De que ela não tem funcionado adequadamente para punição dos casos de violência.
Iriny Lopes – A Lei Maria da Penha precisa ser protegida. É um instrumento fundamental e indispensável para o enfrentamento da violência praticada contra a mulher. A ONU elegeu a lei como uma das três melhores legislações de enfrentamento à violência no mundo. Em pesquisa recente, a lei contou com aprovação de 83% da população. O que temos é um debate dentro do Judiciário que precisa ser superado: a definição da constitucionalidade da lei, para que as instâncias inferiores não fiquem debatendo isso e os julgamentos se tornem mais céleres. A mulher que apanha hoje é a morta de amanhã. Quando há demora no julgamento, o agressor está livre para continuar as agressões, e as agressões costumam chegar ao ponto do homicídio.
G1 – Mas a senhora não acha que a lei pode ser melhorada?
Iriny Lopes – Eu fui relatora da lei, sou contrária a mudanças na lei. Para mim, a lei é clara, o que precisa é agilidade na Justiça. Estamos conversando no sentido de sensibilizar o Judiciário de que ele tem a mesma responsabilidade na proteção das mulheres no que tange o enfrentamento da violência do que o Executivo. Se nossa responsabilidade é investir em delegacias, núcleos de atendimento, casas-abrigo, o Judiciário tem a dele na constituição de varas especializadas como forma de reduzir o número de homicídios. As mulheres brasileiras esperam isso. Cresceu o número de denúncias não porque aumentou o número de casos, agressões, mas porque cresceu a confiança de que agora há um instrumento legal capaz de punir ações violentas.
Iriny Lopes – Eu fui relatora da lei, sou contrária a mudanças na lei. Para mim, a lei é clara, o que precisa é agilidade na Justiça. Estamos conversando no sentido de sensibilizar o Judiciário de que ele tem a mesma responsabilidade na proteção das mulheres no que tange o enfrentamento da violência do que o Executivo. Se nossa responsabilidade é investir em delegacias, núcleos de atendimento, casas-abrigo, o Judiciário tem a dele na constituição de varas especializadas como forma de reduzir o número de homicídios. As mulheres brasileiras esperam isso. Cresceu o número de denúncias não porque aumentou o número de casos, agressões, mas porque cresceu a confiança de que agora há um instrumento legal capaz de punir ações violentas.
G1 – Mas ainda há poucas varas especializadas em violência doméstica. O governo federal não pode cobrar o Judiciário ou tomar alguma outra atitude para que isso mude?
Iriny Lopes – O Judiciário é um poder constituído independente do governo. O Executivo é um poder, o Legislativo outro. Poderes são independentes e constitucionalmente não se pode interferir. Estamos dialogando, incentivando, mostrando a importância da criação de varas especializadas. Mostrando que muitas mulheres morrem porque os processos contra seus agressores estão parados.
Iriny Lopes – O Judiciário é um poder constituído independente do governo. O Executivo é um poder, o Legislativo outro. Poderes são independentes e constitucionalmente não se pode interferir. Estamos dialogando, incentivando, mostrando a importância da criação de varas especializadas. Mostrando que muitas mulheres morrem porque os processos contra seus agressores estão parados.
G1 – E sobre a aplicação da Lei Maria da Penha para homens, que tem ocorrido em alguns casos? Há também outra polêmica sobre aplicação para relações casuais. Qual a avaliação da senhora?
Iriny Lopes – A lei é clara, trata de gênero. Não importa se é casada, namorada, irmã, filha. E não sou contra a aplicação para homens, mas nesses casos tem a legislação comum. A Lei Maria da Penha é para ser aplicada para proteger mulheres agredidas. Os homens são amparados pela legislação comum, o próprio Código Penal dá proteção a esses homens. Não é adequada a utilização para homens. O homem quando é agredido é por outra motivação que não o fato de ser homem. A mulher é agredida pelo fato de ela ser mulher.
Iriny Lopes – A lei é clara, trata de gênero. Não importa se é casada, namorada, irmã, filha. E não sou contra a aplicação para homens, mas nesses casos tem a legislação comum. A Lei Maria da Penha é para ser aplicada para proteger mulheres agredidas. Os homens são amparados pela legislação comum, o próprio Código Penal dá proteção a esses homens. Não é adequada a utilização para homens. O homem quando é agredido é por outra motivação que não o fato de ser homem. A mulher é agredida pelo fato de ela ser mulher.
G1 – Mas a lei protege só a mulher porque fisicamente ela é mais fraca?
Iriny Lopes – A mulher é agredida porque historicamente foi considerado natural agredir uma mulher. É um fato cultural, histórico, que estamos nos esforçando para romper. Não há naturalidade alguma na agressão contra a mulher. O pai podia bater, o irmão, o tio. O homem podia bater, abusar sexualmente e financeiramente. A violência advém desse processo. Pela força física também, mas não exclusivamente. Se a mulher não tem força para carregar um peso ‘x’, o homem também não tem a mesma resistência que a mulher em situações como a dor, por exemplo. E não estou dizendo a dor do parto. É o fato de ir ao trabalho sofrendo doenças, por exemplo. A questão física, a natureza dá conta de equilibrar.
Iriny Lopes – A mulher é agredida porque historicamente foi considerado natural agredir uma mulher. É um fato cultural, histórico, que estamos nos esforçando para romper. Não há naturalidade alguma na agressão contra a mulher. O pai podia bater, o irmão, o tio. O homem podia bater, abusar sexualmente e financeiramente. A violência advém desse processo. Pela força física também, mas não exclusivamente. Se a mulher não tem força para carregar um peso ‘x’, o homem também não tem a mesma resistência que a mulher em situações como a dor, por exemplo. E não estou dizendo a dor do parto. É o fato de ir ao trabalho sofrendo doenças, por exemplo. A questão física, a natureza dá conta de equilibrar.
G1 – E o que precisa então para que os casos de violência contra mulher diminuam de fato?
Iriny Lopes – Uma combinação de coisas. A lei é um instrumento para isso, ajuda a mudar posturas e a cultura. Mas é necessário construir uma nova escola, com nova mentalidade, que não faça diferenças entre meninas e meninos. A lei vale, os programas sociais valem.
Iriny Lopes – Uma combinação de coisas. A lei é um instrumento para isso, ajuda a mudar posturas e a cultura. Mas é necessário construir uma nova escola, com nova mentalidade, que não faça diferenças entre meninas e meninos. A lei vale, os programas sociais valem.
G1 – E como a senhora acha que a presidente Dilma está ajudando nesse processo cultural, nesses dois meses? Já há um favorecimento da condição da mulher?
Iriny Lopes – A figura dela no poder estimula o conjunto da sociedade brasileira, que também repercute no resto do mundo. A presidenta colocou o combate à miséria no centro do governo. E na população miserável e pobre, a maioria é mulher e negra. Então, a questão da mulher, de raça e geracional é o centro da preocupação do governo.
Iriny Lopes – A figura dela no poder estimula o conjunto da sociedade brasileira, que também repercute no resto do mundo. A presidenta colocou o combate à miséria no centro do governo. E na população miserável e pobre, a maioria é mulher e negra. Então, a questão da mulher, de raça e geracional é o centro da preocupação do governo.
G1 – A senhora já defendeu publicamente que o governo federal precisa atender as mulheres que querem abortar. O governo não deveria estimular essa discussão?
Iriny Lopes – A atual legislação determina que o Estado brasileiro atenda as mulheres e que ninguém pode ser vítima fatal em função dessa situação. Nós cumpriremos rigorosamente a lei.
Iriny Lopes – A atual legislação determina que o Estado brasileiro atenda as mulheres e que ninguém pode ser vítima fatal em função dessa situação. Nós cumpriremos rigorosamente a lei.
G1 - Mas a senhora, particularmente, não acha que o tema aborto deve ser discutido?
Iriny Lopes – Não acho nada particularmente. Sou membro do governo, e como governo, eu sigo as determinações.
Iriny Lopes – Não acho nada particularmente. Sou membro do governo, e como governo, eu sigo as determinações.
Fonte : G1
Maiores informações acesse: http://www.conjur.com.br/2008-out-30/lei_maria_penha_aplicada_proteger_homem
Aplicação das medidas protetivas da Lei Maria da Penha em
favor do homem
Leia mais: http://jus.com.br/artigos/20152/aplicacao-das-medidas-protetivas-da-lei-maria-da-penha-em-favor-do-homem#ixzz3ik8KWL4P
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As medidas protetivas da Lei Maria da Penha merecem
ser aplicadas as vítimas de violência em seu âmbito
doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo,
mesmo que não seja somente a mulher.
Introdução
Em 07 de agosto de 2006 entrou em vigor a Lei de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (Lei 11.340/2006), também conhecida como Lei Maria da Penha . Essa Lei buscou tutelar de forma específica a mulher vítima de violência doméstica, familiar e de relacionamento íntimo, em decorrência de vários movimentos em sua defesa e por todo o contexto histórico e social de violência na qual ela é vítima, criando mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da CF/88, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil. A Lei dispõe ainda sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Reside-se aí a chamada tutela em favor da mulher, não por razão do sexo, e sim em virtude do gênero. Entende-se como diferença de gênero aquela decorrente da sociedade e da cultura que coloca a mulher em situação de submissão e inferioridade, tornando-a vítima da violência masculina.
Questiona-se a constitucionalidade da Lei uma vez que fere o Princípio da Isonomia consubstanciado no art. 5º, inciso I da CF/88, pois a Lei Maria da Penha visa à proteção exclusiva da mulher que sofre de violência em todos os seus aspectos (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral). As diferenças de tratamento criadas pela sociedade e pela cultura justificam a constitucionalidade da Lei, não ferindo o Princípio da Isonomia que é não somente formal, mas também material.
A Lei elenca um rol de medidas protetivas para assegurar a mulher o direito a uma vida sem violência.
Contudo, as medidas protetivas da Lei Maria da Penha merecem ser aplicadas as vítimas de violência em seu âmbito doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo, mesmo que não seja somente a mulher, desde que demonstrada situação de risco ou de violência decorrente daquelas modalidades.
Violência de gênero, sujeito passivo e sujeito ativo da Lei Maria a Penha
Cunha e Pinto explicam que de acordo com a Lei 11.340/2006, entende-se por violência doméstica e familiar toda a espécie de agressão (ação ou omissão) dirigida contra a mulher (vítima certa), num determinado ambiente (doméstico, familiar ou de intimidade), baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
Essa Lei trouxe um tratamento jurídico diverso ao do tratamento dado no Código Penal quando a pessoa sofre algum tipo de violência, limitando, quanto a sua aplicação, o sujeito passivo (vítima), que é somente a mulher.
Mas, não se pode deduzir que somente a mulher é potencial vítima de violência doméstica, familiar ou de relacionamento íntimo. Também o homem pode sê-lo, conforme se depreende da redação do § 9º do art. 129 do Código Penal, que não restringiu o sujeito passivo, abrangendo ambos os sexos. O que a Lei limita são as medidas de assistência e proteção, estas sim aplicáveis somente à ofendida (vítima mulher). Nesse caso, a mulher (ofendida) passou a contar com a nova Lei, não somente de caráter repressivo, mas, também, preventivo e assistencial, criando mecanismos aptos a coibir as modalidades de agressão (violência).
Dessa forma, a Lei criou mecanismos para coibir as formas de violência em seus âmbitos doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo, buscando especificamente a tutela da mulher (sujeito passivo), não por razão do sexo, e sim em virtude do gênero. A diferença de gênero corresponde aquela que decorre da sociedade, da cultura e não especificamente do substrato biológico do ser humano (diferença biológica – sexo - entre homens e mulheres). As mudanças da sociedade formam um contexto diverso tanto para o homem quanto para a mulher, definindo-se o gênero, gerador da violência machista dos homens sobre as mulheres.
Souza traduz em sua obra o conceito de sujeito passivo e sujeito ativo, trazendo para esse último duas correntes doutrinárias. A Lei, em várias partes de seus dispositivos e especialmente em seu preâmbulo, deixa claro que o sujeito passivo reconhecido por ela é apenas a mulher que tenha sido vítima de agressão decorrente de violência doméstica, familiar ou de relacionamento íntimo.
Tanto a mulher que já não mais conviva com a pessoa responsável pela agressão, quanto aquela que nunca tenha convivido, mas que tenha mantido ou mantenha uma relação íntima com o agressor ou agressora, desde que a violência decorra de alguma dessas relações, podem figurar no pólo passivo, não importando que ocorra somente no âmbito doméstico, podendo ser até mesmo fora dele.
Quanto ao sujeito ativo, há divergências doutrinárias quanto à pessoa que pode figurar como autor nos crimes abrangidos por essa Lei. Uma primeira corrente defende que, por se tratar de crime de gênero e cujos fins principais estão voltados para a proteção da mulher vítima de violência doméstica, familiar ou de relacionamento íntimo, no pólo ativo pode figurar apenas o homem e, quando muito, a mulher que, na forma do § único do art. 5º da Lei, mantenha uma relação homoafetiva com a vítima.
Já a segunda corrente, que é a defendida por Souza , entende ser a mais coerente, pois dá menos ensejo a possíveis questionamentos quanto à questão da constitucionalidade, já que trata igualmente homens e mulheres quando vistos sob a ótica do pólo ativo, resguardando a primazia à mulher apenas enquanto vítima.
Portanto, essa segunda corrente defende que a ênfase principal da presente Lei não é a questão do gênero, tendo o legislador dado prioridade à criação de "mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher", sem importar o gênero do agressor, que tanto pode ser homem, como mulher, desde que esteja caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade.
Hoje, defendemos uma terceira corrente que trata a Lei como uma Lei de gênero, por isso que existiu para proteger a mulher, que é a que mais sofre dentro de um contexto social e cultural, podendo suas medidas protetivas ser aplicadas em favor de qualquer pessoa (sujeito passivo) desde que comprovado que a violência teve ocorrência dentro de um contexto doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo, podendo ser tanto homem quanto mulher.
Dias prevê a possibilidade de o sujeito passivo não ser necessariamente a mulher quando a Lei prevê mais uma majorante ao crime de lesão corporal em sede de violência doméstica (consubstanciado no art. 129, § 11 do Código Penal), se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência. Justifica que seja de qual sexo for o deficiente físico (diga-se, homem ou mulher), sendo alvo de lesão corporal, a pena de seu agressor será aumentada de um terço.
Nossa finalidade, diferentemente do posicionamento acima, é em considerar como sujeito passivo tanto homem quanto a mulher, independentemente de se tratar de pessoa portadora de deficiência, caminhando de acordo com a terceira corrente defendida.
Atualmente, para dar efetividade a Lei, trazendo-se mais garantias aos sujeitos passivos das relações domésticas, familiares e de relacionamento íntimo, é que tanto a doutrina (conforme a nossa terceira corrente adotada), jurisprudência e o mais importante, as autoridades competentes, com o poder de execução de suas atividades em prol daquele que as necessita, atuam de forma positiva diante das novas necessidades que surgem.
A Lei 11.340 de 2006 surgiu, como uma forma justa e extremamente necessária, para coibir e prevenir a mulher (sujeito passivo), vítima de violência no âmbito de suas relações. Só que acontece que, não somente a mulher, mas também o homem tornou-se potencial vítima dessa violência, razão pela qual a nomenclatura "sujeito passivo" também passou a ser dada a ele, em casos excepcionais, conforme analisaremos.
Constitucionalidade da Lei Maria da Penha
Referida Lei é questionada sobre a sua constitucionalidade, uma vez que, num primeiro momento, parece discriminatória em relação ao homem, tratando a mulher como "eterno" sexo frágil, deixando desprotegido o homem.
Apesar das várias teses existentes fomentarem a inconstitucionalidade da Lei, não é o que prevalece na doutrina. A Lei Maria da Penha teve como finalidade tutelar a mulher que sofre de violência em todos os seus aspectos, decorrente de fatores sociais e culturais. Justificando, assim, a sua constitucionalidade.
Cunha e Pinto pensam que "uma interpretação conforme pode fomentar a sua aplicação, como exigem estatísticas que demonstram a situação de verdadeira calamidade pública que assumiu a agressão contra as mulheres".
Dias pensa que para as diferenciações normativas serem consideradas não discriminatórias, é indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável , não faltando justificativas para que as mulheres recebam atenção diferenciada. O modelo conservador da sociedade coloca a mulher em situação de inferioridade e submissão tornando-a vítima da violência masculina, pois tais fatos não decorrem de razões de ordem social e cultural, se fazendo necessárias equalizações por meio de discriminações positivas, medidas compensatórias que visam remediar as desvantagens históricas, conseqüências de um passado discriminatório.
A Lei deve ser aplicada e interpretada de forma favorável e rápida a prevenção e repressão da violência, que decorre da diferença de tratamento que a sociedade e cultura criaram em relação ao homem e a mulher, aos quais justificam a constitucionalidade das medidas protetivas previstas na Lei.
A Lei Maria da Penha e o Princípio da Igualdade
Importante demonstrar o que se entende por Princípio da Isonomia (ou Princípio da Igualdade) e seus desmembramentos em igualdade formal e material. Esse Princípio significa dar tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida da sua desigualdade. Contudo, no texto da CF/88, esse Princípio é enunciado com referência à Lei em que todos são iguais perante a Lei. A doutrina construiu uma diferença entre a igualdade na lei e a igualdade diante da lei. A primeira tendo como destinatário precípuo o legislador, a quem seria vedado valer-se da lei para fazer discriminações entre pessoas que mereçam idêntico tratamento; a segunda, dirigida principalmente aos intérpretes/aplicadores da Lei, impedir-lhes-ia de concretizar enunciados jurídicos dando tratamento distinto a quem a lei encarou como iguais.
Lenza diz que se deve buscar não somente essa aparente igualdade formal (consagrada no liberalismo clássico), mas, principalmente, a igualdade material, na medida em que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. Isso porque, no Estado Social que efetiva os direitos humanos, imagina-se uma igualdade mais real perante os bens da vida, diversa daquela apenas formalizada perante a Lei.
Toda essa proteção trazida pela Lei Maria da Penha para a mulher não feriria o Princípio da Isonomia, pois esse princípio não é somente formal, senão sobretudo material. Em matéria de violência de gênero a mulher é desigual em relação ao homem, devendo ser tratada de maneira diferente. Não existe uma discriminação odiosa, não justificada, em favor da mulher. Ao contrário, é com as medidas protetivas da Lei que se busca o equilíbrio. Pois a mulher, no contexto cultural em que vive, necessita dessa proteção, porque ela é a que mais sofre.
Seguindo essa idéia, a Lei não fere o Principio da Isonomia expresso no caput do art. 5º da CF/88, pois visa proteger as mulheres que sofrem com a violência dentro ou fora de seus lares. Por esse mesmo fundamento a Lei não fratura também o disposto no inciso I, do art. 5º da CF/88 que diz que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, porque o tratamento favorável à mulher está legitimado e justificado por um critério de valoração, para conferir equilíbrio existencial, social etc. ao gênero feminino. É a igualdade material e não só a formal em abstrato perante o texto da Constituição.
Portanto, a Lei é constitucional porque serve à igualdade de fato e como fator de cumprimento dos termos da Constituição pois resulta de ações afirmativas em favor da mulher vítima que necessitava urgentemente de proteção.
Função Constitucional do Estado em assegurar proteção aos membros da família e a Lei Maria da Penha
A Lei foi criada nos termos do art. 226, § 8º da CF/88 que inseriu em seu texto a proteção a família, na pessoa de cada um dos que a integram, quanto à criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. O caput do artigo em comento diz que a família, base da sociedade "tem especial proteção do Estado", incluindo a assistência que o § 8º traz. Há nesse parágrafo uma especificação, quando o texto diz que "o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram". Nesse sentido não é a entidade familiar, em si, que o Estado prestará assistência, mas ao marido, à mulher, ou aos filhos, segundo as necessidades de cada um, até mesmo em contraposição a outros membros. Esse dispositivo impõe ao Estado coibir a violência no âmbito das relações entre os integrantes da família.
Os componentes da sociedade devem cobrar do Estado a sua atuação efetiva na implementação de medidas que promovam a extinção da violência doméstica da sociedade. Sabe-se que a mulher, em especial, pode ser vítima de violência em todos os seus aspectos, tanto de pessoas do sexo masculino quanto até mesmo de pessoas do mesmo sexo, em nível que ultrapassa de muito as regras da simples correção educacional que recebe de seus pais e, também, em muitas vezes, é vítima de seu próprio marido quando constitui uma família. Mas não se pode dizer que somente a mulher, desde a infância, subordinando-se a educação dos seus pais e depois quando constitui o matrimônio, "subordinando-se" ao seu marido, é que necessita da proteção do Estado quando ameaçada a sua integridade, como a Lei dispõe. Mas também o homem está dentre aqueles que integram a família e que, no âmbito de suas relações, merece, portanto, total proteção do Estado.
Silva diz que "em qualquer desses casos é dever do Estado intervir para fazer cessar a violência e punir o responsável por sua prática" .
A função do Estado é assegurar proteção à família, segundo as necessidades dos membros que a integram. Nesse diapasão, em alguns Estados, a criação de Varas Especializadas de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher vítima de violência já se encontra em funcionamento, bem como o Ministério Público Estadual. Tudo isso para dar efetividade à proteção constitucional que o § 8° do art. 226 da CF/88 prevê.
Reforçando o posicionamento de constitucionalidade da Lei Maria da Penha com base no art. 226, § 8º da CF/88, chega-se a conclusão de que tal dispositivo confere ao Poder Legislativo a possibilidade de criação de uma norma específica capaz de garantir as condições de chancelar determinadas situações cautelares a serem providas pelo Poder Judiciário.
O governo passa a atuar no combate a violência contra a mulher, propondo alternativas para essas demandas. Alternativas essas não só para as mulheres vítimas de violência e que precisam de proteção, mas também para todos os membros que integram a família, respeitando um princípio fundamental de cada indivíduo, que é o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Assim, esse dispositivo surgiu para dar efetividade e sustentação à própria existência da legislação editada, que é a Lei 11.340/2006.
O TJ de Minas Gerais proferiu a primeira decisão sobre o assunto, afastando o óbice de inconstitucionalidade à análise das medidas protetivas da Lei, aduzindo que a Lei deve ser interpretada afastando-se a discriminação criada, não negando vigência à norma por inconstitucionalidade que é facilmente superada pelo só afastamento da condição pessoal de mulher nela existente. Basta ao intérprete afastar a condição pessoal de mulher em situação de risco doméstico, suscitada na sua criação, para que não haja qualquer inconstitucionalidade possível, estendendo-se os efeitos da norma a quaisquer indivíduos que estejam em idêntica situação de violência familiar, ou doméstica, sejam eles homens, mulheres ou crianças. A leitura da Lei, sem a discriminação criada, não apresenta qualquer mácula de inconstitucionalidade, bastando afastar as disposições qualificadoras de violência doméstica à mulher, para violência doméstica a qualquer indivíduo da relação familiar, para que seja plenamente lícita suas disposições. Nesse contexto, inexiste a condição de inconstitucionalidade decorrente da discriminação produzida, mas tão somente uma imposição inconstitucional que deve ser suplantada pelo intérprete equiparando as condições de homem e mulher, de modo a permitir a análise da pretensão que é da competência do Juízo que afastou a incidência da norma.
Decretar a Lei Maria da Penha como inconstitucional, eliminando-a da ordem jurídica, seria retirar direitos legitimamente conferidos. Essa não é a função dos tribunais. Assim, deve-se precisamente estender os benefícios da Lei aos discriminados que solicitarem perante o Poder Judiciário, caso a caso.
É claro que, ao decidir sobre a questão da inconstitucionalidade da Lei, a interpretação, análise e fundamentação são dadas de forma a abranger as necessidades que surgem. Nesse sentido, cabe a análise do pedido do necessitado que a requer, pois o art. 226, § 8º da CF/88 compatibiliza-se e harmoniza-se de forma a propiciar a aplicação da Lei tanto para mulheres quanto para homens em situação de risco ou violência decorrente da relação familiar.
Tal inconstitucionalidade não autoriza a conclusão de afastamento da lei do ordenamento jurídico, mas, tão-somente, a extensão dos seus efeitos aos discriminados que a solicitarem perante o Poder Judiciário, caso por caso. Não sendo possível, portanto, a simples eliminação da norma produzida como elemento para afastar a análise do pedido de quaisquer das medidas nela previstas, porque o art. 5º, inciso II, combinado com o art. 21, inciso I e art. 226, § 8º da CF/88, compatibilizam-se e harmonizam-se, propiciando a aplicação indistinta da lei em comento tanto para mulheres como para homens em situação de risco ou de violência decorrentes da relação familiar.
Hoje, com base nas freqüentes decisões proferidas, vê-se a aplicação da referida Lei para aquele que necessita, não tratando somente de vítima específica mulher (somente esta como sujeito passivo).
Portanto, defendemos que o dispositivo constitucional em análise tem como fundamento servir de efetivação à constitucionalidade da Lei Maria da Penha, bem como proporcionar a possibilidade de aplicação da Lei em favor do homem, ou melhor, dos necessitados na família.
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contra a violência doméstica
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